Sempre que vamos ao Brasil as pessoas ficam surpresas ao perceberem que minhas filhas falam português. E falam bem, praticamente sem sotaque. E eu, pessoalmente, me orgulho muito disso. Pra mim, manter o nosso idioma de origem é muito importante.
Mas se eu não falar inglês com ele, ele não vai aprender!
Quando o imigrante que tem filhos chega no novo país, uma das suas grandes preocupações é se seus filhos vão aprender o novo idioma rapidamente. Como é que eles vão se comunicar na escola se não sabem falar inglês (no nosso caso aqui no Canadá)? Como vão fazer amigos? O foco inicial é fazer com que as crianças aprendam o novo idioma o mais depressa possível. Achamos que eles sofrem por não conseguirem se expressar, e sofremos por tabela. O fato é que as crianças aprendem uma nova língua muito mais rápido do que imaginamos, e certamente muito mais rápido do que nós adultos aprendemos.
Daqui a pouco, o filho desembesta a falar a nova língua, começa a introduzir palavras do novo idioma em frases no idioma de origem, forma frases no idioma de origem com a estrutura do idioma novo, e nós pais ficamos então preocupados que eles estão perdendo o domínio do idioma original da família.
O novo idioma passa a ser o único idioma
Em muitos casos isso é bem comum. A criança passa a ser fluente no novo idioma e vai diexando o idioma de origem de lado. E, dependendo da postura da familia em relação ao idioma falado em casa, a criança pode simplesmente parar de falar a língua dos pais à medida que cresce. São vários os casos de que já ouvi falar de famílias que não faziam muita questão que os filhos falassem o seu idioma, e seguiam falando inglês com as crianças, até que os filhos crescem e não sabem mais falar. Alguns até conseguem entender, mas já não conseguem mais se comunicar na língua dos pais.
Sério, eu acho isso muito triste. Não tenho nada com as motivações de cada família, quem sou eu pra julgar. Mas, pra mim – repito, pra mim – ficaria muito triste se chegasse num ponto que minhas filhas não falassem mais português. E por isso faço a minha parte para que isso não aconteça na minha casa.
Por que manter a língua dos pais?
- Porque é importante manter contato com os familiares que não falam inglês.
- Porque é como você se expressa melhor, e você deve se comunicar da melhor forma possível com seu filho.
- Porque a língua é uma herança cultural, e integra plenamente a nossa identidade.
- Porque, ao contrário do que muitos acreditam, manter um idioma diferente em casa não prejudica em nada o aprendizado do novo idioma.
- Porque é um baita benefício pro seu filho falar um segundo idioma! Se ele pode ser bilíngue, por que não incentivar para que ele desenvolva/mantenha fluência em português?
- Porque pesquisas mostram que pessoas bilíngues são mais inteligentes. (Não fui eu que falei, foi o New York Times, hein!)
- Porque empresas valorizam candidatos que falem mais de uma língua.
Como manter o idioma de herança?
Aqui em casa sempre falamos português. Sempre. Temos essa regrinha e não permito que elas falem em inglês comigo. Pra mim, não é natural falar inglês com elas. Porque a língua também tem um aspecto afetivo. Inglês pra mim é uma língua funcional, é a língua que eu preciso usar pra trabalhar, pra me comunicar fora de casa. Dentro de casa eu simplesmente não tenho como usar inglês, não me é natural. O que não quer dizer que vez ou outra usemos palavras em inglês no meio das nossas frases em português, o que é perfeitamente normal no caso de famílias bilíngues. (Eu posso explicar isso melhor num outro post porque li muitas referências científicas sobre o assunto no início do ano).
Quando minhas filhas estão sozinhas, às vezes elas brincam em inglês. Percebo que Alice puxa mais pro inglês do que a Laura. Li que é normal que os filhos mais novos dêem preferência ao idioma local do que ao idioma da família. Se estou perto e as ouço falando em inglês, eu peço pra falar em português, e na maioria das vezes elas trocam numa boa. A Laura, na maioria das vezes, fala em português.
Se elas estão se dirigindo a mim e falam em inglês, eu finjo que não entendo. “Hein? O que você falou? Não entendi o que você disse?” E elas repetem em português. Quando não sabem uma palavra, eu traduzo e peço pra repetirem.
A única situação em que falamos inglês em casa é quando recebemos visitas que não falam português. Igualmente quando estamos num ambiente onde há pessoas que não falam a nossa língua. Aí sim eu me dirijo a elas em inglês porque acho que pode ser desrespeitoso aos que estão perto e não entendem o que estamos falando.
Quando viemos para o Canadá, a Laura tinha quase 3 anos e já falava tudo. Aprendeu inglês super rápido e continuou falando português em casa. Ela tem mais sotaque carioca do que eu! Ela também consegue ler em português e escrever um pouco. Quando escreve ainda comete muitos erros (como aquelas várias letras que têm sons parecidos: s, ss, ç, sc). Também erra conjugação de verbos irregulares por exemplo. Eu vou corrigindo assim que o erro aparece, e é assim que ela vai aprendendo.
Alice aprendeu a falar português antes de falar inglês, naturalmente. Mas como foi pra escolinha com 2 anos, aprendeu inglês super rápido. A fase quando eles começam a demonstrar que sabem a nova língua é tão bonitinha, e tão interessante! É impressionante como o cerebrozinho das crianças consegue processar dois idiomas ao mesmo tempo! E é exatamente isso que acontece. Pra elas, é natural falar dois idiomas. Elas desenvolvem um vocabulário múltiplo para cada objeto, cada substantivo, cada coisa, nas duas línguas.
Voltando pra Alice, ela falou mais tarde que a Laura. Na minha cabeça fazia sentido que fosse assim, porque ela estava assimilando dois idiomas ao mesmo tempo. Entretanto, as pesquisas não comprovaram que o retardamento da fala nesses casos está diretamente ligado ao bilinguismo necessariamente. Infelizmente não tenho como saber se minha filha desenvolveria a fala no mesmo ritmo caso estivesse exposta a apenas um idioma. De uma forma ou de outra, parece que isso é normal e não é motivo pra alarde por parte dos pais.
Outra coisa que aconteceu com Alice foi que ela tinha um sotaque bem carregado até pouco tempo atrás. O erre dela era bem puxado, como se fosse um erre do interior de São Paulo. nada contra os interioranos, viu? Mas a gente ficava brincando com ela, dizendo que ela era caipira. Ela ria. E sempre que falava um verde, vermelho, porta, ela mesma ria e dizia “eu sou caipira, mãe!”. Eu forçava bem o erre carioca, que tem mais som de agá em inglês do que erre. E foi só na viagem pra Orlando, numa imersão de um mês com meus pais e irmã, que têm um sotaque carioca bem carregado, que ela aprendeu finalmente a expandir o erre e não mais enrolar a língua.
Tenho pra mim que ela falava assim justamente por causa do inglês, de como é o som da letra erre em inglês.
Mas meu marido é gringo
Não é o meu caso, mas tenho amigas cujos maridos são estrangeiros e elas falam português com seus filhos. Acho que nesse caso deve ser mais desafiador fazer com que seu filho fale português, mas certamente não é impossível. O caso mais bem sucedido que eu conheço são os moradores do Iglu. As crianças falam três línguas. Cada um dos pais se dirige aos filhos nos seus idiomas de origem, apesar de falarem inglês entre si, que é o único meio que conseguem se comunicar, obviamente. Se este é o seu caso, recomendo que dê um pulo lá no blog da Flávia pra saber como é a sua experiência.
Trabalho de formiguinha, que não acaba nunca
Se manter o seu idioma em casa é importante pra você, se você quer que seus filhos falem, leiam e escrevam na sua língua, que eles possam se comunicar com a família no Brasil, o segredo é persistir. É fazer valer a regra do português em casa. É cobrar que eles te respondam em português. É ler livros em português pra eles. É ouvir músicas em português. É gerar oportunidades para que eles se expressem em português. É fazê-los sentir orgulho por falar um outro idioma. É não desistir.
Ouvi dizer que na adolescência fica mais difícil “exigir” que o filho continue falando a língua de herança. Adolescente já é do contra, né? Ainda não cheguei lá pra ver. Até aqui temos sido bem sucedidos, ainda bem. As meninas falam português super bem, falam espontaneamente até. E espero que continuem assim. No que depender de mim, vão ser sempre fluentes nas duas línguas.
Quer saber mais?
A Lu Misura tem um post ótimo sobre os mitos do bilinguismo.
A instituição Brasil em Mente, nos Estados Unidos, tem um blog super bacana, o Brasileirinhos. Eles frequentemente publicam posts sobre educação bilíngue.
Já indiquei aqui o blog Filhos Bilíngues, da Cláudia Storvik. Um poço sem fundo de informação sobre o assunto! Ela também criou um grupo no Facebook.
Pra terminar, não deixem de ver esse documentário super bacana sobre a língua portuguesa como língua de herança, realizado pela Brasil em Mente.
Numa próxima vez eu escrevo mais sobre o bilinguismo do ponto de vista científico. Vou tentar resumir os pontos que aprendi nas minhas pesquisas, e também indicar alguns livros sobre o assunto.
Agora é a sua vez de compartilhar a sua experiência nos comentários. Você que mora fora do Brasil, como lida com a questão do idioma em casa?
Ilustração inspirada por essa aqui do New York Times. Lu Azevedo, te cuida!