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Educação primária no Canadá

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Quando adolescente, eu tive a oportunidade de fazer um intercâmbio nos Estados Unidos. Eu ia ficar lá um ano numa escola comum, em algum High School. Eu dei pra trás na última hora e deixei a oportunidade passar. Na época, eu já escutava que a escola nos Estados Unidos era mais fácil que no Brasil. Que os alunos não tinham tantas matérias obrigatórias como nós tínhamos. Achava tão estranho. Como é que pode um país de primeiro mundo ter uma escola “fraca”, eu pensava. Esta era apenas uma das diferenças dos sistemas de ensino que eu pude comprovar agora morando no Canadá.

Escola “fraca”

Essa coisa da escola “fraca” já me incomodou mais, mas depois de refletir um pouco, percebi várias vantagens no sistema educacional daqui comparando com a educação que eu tive no Brasil. Vale ressaltar que eu sempre estudei em escola particular no Rio e minha filha está numa escola pública aqui. Talvez seja uma comparação injusta, mas é a minha experiência e provavelmente a mesma de todos imigrantes brasileiros aqui, cuja maioria estudou em escola particular no Brasil.

Mas como a escola aqui pode ser considerada “fraca”? Essa diferença se dá principalmente quanto ao currículo das séries. Uma criança na 4a. série numa escola particular no Brasil provavelmente “sabe” mais que a minha filha mais velha, que também está na 4a. série. A matemática lá é mais puxada, as ciências também, linguagem (em termos de regras gramaticais, ortografia), história, geografia, etc. Quando eu penso como era a minha 4a. série no Rio e comparo com o que minha filha estuda aqui, eu tive muito mais conteúdo e cobrança do que ela tem aqui.

Por cobrança entenda-se: dever de casa, testes e provas. A avaliação aqui é bem menos estruturada do que no Brasil. Minha filha não tem aquela famosa “semana de prova”, nem prova por bimestre. Ela tem testes ocasionais, mais são aleatórios (até onde eu percebi) e não existe aquela pressão no aluno de uma PROVA com letras maiúsculas. Vem só um bilhete na agenda dizendo que na semana que vem vai ter teste de ortografia, por exemplo. O teste é encarado como um exercício dentro de sala de aula e aquele exercício em particular vai entrar no total da avaliação daquela disciplina.

Avaliação

Os boletins aqui são chamados report cards. Até a terceira série, minha filha não teve nota em disciplinas. O professor escreve comentários sobre o desenvolvimento do aluno dentro de cada disciplina, indicando se ele atingiu o esperado para sua idade ou não. Não existe reprovação. Não sei se existe aula de reforço, nunca vi até então. Agora na quarta série ela começou a ter notas com letras (A, B, C, D, F). Ainda acho esse sistema de avaliação bem subjetivo.

A nota que o professor dá numa disciplina é baseada no desenvolvimento ao longo do período de avaliação. Ele leva em conta tudo que o aluno fez naquela disciplina dentro do período, todas as atividades em sala, trabalhos em grupo, apresentações, participação em aula, tudo que demonstre o quanto o aluno absorveu de conhecimento daquela disciplina. É uma avaliação mais holística e não somente baseada numa prova.

Em duas ocasiões no ano letivo, temos uma reunião com os professores (geralmente depois de sair um report card), onde o professor conversa com os responsáveis sobre o desenvolvimento do aluno e o que pode ser feito caso precise de reforço em alguma área. Eles também avaliam o desenvolvimento emocional e social da criança, comentando sobre a interação da criança dentro de sala, e sobre conceitos de responsabilidade e solidariedade.

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Lição de casa? O que é isso?

Eu estranhei demais que aqui quase não tem dever de casa! Em cinco anos de escola, minha filha não senta na cadeira em casa pra fazer dever todos os dias, como eu fazia. O dever de casa dela é ler diariamente. Ela traz uma planilha onde deve anotar a quantidade de páginas que leu a cada dia e o título do livro. Ela também deve estudar tabuada e anotar na agenda o tempo de estudo. Eu tenho que assinar sua agenda todos os dias.

Ouvi dizer de amigos que os professores não dão lição de casa porque a criança já fica na escola em período “integral”, por 6 horas diárias. As horas restantes do dia seriam para a criança descansar ou participar em atividades extra-curriculares, como esportes ou aulas de dança por exemplo. Parece que eles não querem sobrecarregar a criança, o que acho até válido, mas ainda estranho um bocado.

Professor multitarefa

Há somente um professor por sala. O professor ministra todas as disciplinas. Lembro que na terceira série eu já tinha duas professoras, uma pra Português e Estudos Sociais e outra pra Matemática e Ciências. Na quarta série eu já tinha um professor para cada matéria. Cada professor era especialista dentro daquela matéria, provavelmente fizeram faculdade de licenciatura naquela disciplina específica. O que não acontece aqui.

O professor tem uma formação genérica e tem que ensinar todas as matérias. Não sei até qual série isso acontece, mas certamente em toda a educação primária, que vai até a quinta ou sétima série, dependendo da cidade. Acho que isso explica o currículo não ser tão específico ou tão avançado. Imagina o pobre do professor ter que saber cada disciplina a fundo?

Agora na quarta série, minha filha tem outros professores, além do seu professor principal. Tem a professora de francês e a de música. Mas educação física é feita com o professor principal.

Turmas mistas

Aqui é normal ter turmas de séries misturadas. Minha filha está numa turma de quarta e quinta série juntas. Quando ela começou no Kindergarten, era o pré junto com a primeira série. Nem todas as turmas são misturadas, mas é algo bem comum de acontecer.

Eu achava que um dos motivos pra isso é a questão de recursos, eles precisariam juntar turmas porque não tem professor suficiente para turmas separadas. Isso é especulação minha, viu? Outra hipótese minha era nivelar conhecimento da turma. Já que não existe reprovação, esta seria uma forma de passar a criança para a próxima série, mas mantendo-a com crianças mais fortes da série anterior. Imagine uma criança fraca da terceira série, ela passa pra uma turma de terceira e quarta série misturada. Ou seja, ainda vai ter crianças no mesmo nível que ela estava (terceira série), mas ela está na quarta.

Questionei o professor da minha filha em uma reunião e ele disse que misturam as crianças porque os mais velhos ajudam os mais novos e assim desenvolvem habilidades de liderança. Ele não mencionou nada do que eu suspeitava antes, obviamente.

Em termos de avaliação, os professores têm expectativas diferentes para cada nível. Dentro da mesma matéria, ele pode cobrar mais de um aluno da quinta série do que da quarta. Dentro de um projeto, por exemplo, o aluno de quinta série vai se aprofundar mais e demostrar mais entendimento do que o da quarta série. O professor teria como uma escala de desenvolvimento do que esperar de resultado da quinta e da quarta série. A avaliação não é feita comparando os alunos entre si, mas comparando-os contra essa “tabela” de expectativas do que é o desenvolvimento normal dentro daquela faixa etária. Comparando dois alunos, de quarta e quinta, ambos com um A, o trabalho do aluno de quinta vai ser mais aprofundado do que do aluno de quarta. Mas dentro do que é esperado de ambos, entende-se que atingiram o máximo do que era esperado individualmente. (Deu pra entender?)

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É diferente, mas funciona

Cheguei à conclusão que não tenho como comparar o ensino particular no Brasil com o público daqui. O jeito que minhas filhas estão aprendendo hoje é bem diferente de como eu aprendi há mais de 20 anos. Talvez hoje a até a própria escola no Brasil já seja diferente de quando eu era estudante. As coisas evoluem.

Além disso, é aqui que eu moro agora. Se vou construir minha vida aqui, não tenho como cobrar que a educação aqui seja como era no Brasil na minha época. Se é assim aqui, e o Canadá é um país desenvolvido, é que deve funcionar de alguma forma.

Eu não tenho formação de pedagoga pra poder avaliar mais a fundo. Essa é minha percepção como mãe de crianças em idade escolar aqui, e minhas observações sobre como o estudo é conduzido comparando com a minha experiência como estudante na década de 90 no Brasil.

Talvez seja até bom que o currículo aqui não seja tão puxado. Não tem tanto decoreba como tinha na minha época. Não tem vestibular. Você não precisa aprender detalhes de uma matéria que nunca vai precisar na vida mais tarde. A educação primária aqui é mais básica em conteúdo sim, mas tem outras vantagens, que vou explorar no próximo post.

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Imagem: Tire Swing!, de Geoffery Kehrig, no Flickr sob licença Creative Commons


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