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Educação primária no Canadá (parte 2)

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No post anterior eu falei sobre o sistema educacional no Canadá e as principais diferenças entre a educação no Brasil e aqui, no meu ponto de vista. Como não sou professora, não tenho base teórica para fazer uma comparação aprofundada. Meu universo é bem restrito e só tenho a minha experiência como estudante em escola particular no Rio de Janeiro para contrapor com o que vejo das minhas filhas na escola primária pública aqui.

Além disso, é possível que até mesmo aqui na província, ou em outras províncias, os alunos tenham experiências diferentes de uma escola para outra. Por isso, recomendo que vocês leiam também os comentários feitos no post anterior, onde os leitores colocam outras perspectivas dentro do Canadá como também no Brasil.

Ontem eu falei de alguns pontos que eu considerava “negativos”, levando em conta a minha experiência como aluna no Brasil. Negativo é muito forte, eu acho. Diria que são diferentes em muitos aspectos. A gente que tem essa tendência de qualificar as nossas experiências, atribuindo rótulos. Mas uso o termo só pra diferenciar dos pontos que estou abordando no post de hoje, que, a meu ver, são vantagens do sistema de ensino daqui e que não observei na minha experiência como estudante no Brasil.

O que eles estudam na quarta série?

Estas são as principais matérias da minha filha:

  • Inglês
  • Matemática
  • Ciências
  • Estudos Sociais
  • Educação Física
  • Artes

Em Inglês, nunca a vi estudando gramática. Eles focam bastante em ortografia (spelling), leitura e compreensão de texto. Ela faz muitas redações e até escreve contos de ficção. Ela estuda técnicas de escrita criativa (personagens, roteiro, descrições).

Em Matemática, ela faz tabuada e contas de multiplicação e divisão com números com mais de um dígito. O jeito que eles fazem divisão aqui é totalmente diferente do nosso! É na hora de ajudar com o dever de casa que o bicho pega. Eu tentei aprender o jeito deles aqui, mas não consigo. É diferente na notação. (Aqui pra quem tiver curiosidade de saber como é.)

Ela aprende geometria (incluindo a espacial) também. Já sabe calcular área e volume de alguns sólidos geométricos. Aprendeu a desenhar objetos 3D, com perspectiva de profundidade.

Em Ciências, ela tem aprendido conceitos de física como força e gravidade. Ainda sem fórmula nem nada, só explorando o conceito mesmo. Na primeira série ela estudou sobre o atrito, por exemplo. Agora ela está estudando máquinas simples: roldanas, alavancas, rosca e roda com eixo. Há poucas semanas ela foi numa excursão pro parque de diversão para observar na prática como essas máquinas funcionam e a relação com a os conceitos de física.

Em Estudos Sociais, eles já estudaram sobre os povos nativos do Canadá. Minha filha teve que fazer uma pesquisa sobre um povo específico, preparar um cartaz e fazer uma apresentação. A turma dela fez uma maquete de uma vila nativa da província. Agora eles estão estudando sobre petróleo e imaginando como será a vida daqui a 40 anos, sem petróleo. Esse é o próximo projeto que ela tem que apresentar em grupo.

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Eu ouço, eu esqueço;
Eu vejo, eu lembro;
Eu faço, eu entendo.
- Confúcio

Eles aprendem na prática

Uma das coisas que me chamou muito a atenção foi que eles aprendem na prática aqui. Quando falei acima que, na primeira série, minha filha estudou sobre atrito, foi na prática. Eles faziam uma rampa com materiais diferentes (superfícies lisas ou ásperas) e jogavam objetos nessa rampa pra ver o que acontecia quando tinha mais ou menos atrito. Eu não sei você, mas eu nunca fiz uma experiência dessa!

Quer outro exemplo?

A minha filha mais nova está no Kindergarten (a primeira série da escola, que seria o CA ou pré no Brasil, na minha época). Ela está explorando o conceito de área e medidas. Como? Não só com régua, mas comparando objetos físicos (galhos, canudos). Na minha época fazíamos isso também, mas no livro, na lousa. A minha mais velha, no Kindergarten, foi medir o ginásio da escola usando o seu pé como medida. Imagina todas as crianças andando apertadinho no ginásio e contando os passos! Você já fez isso na escola? Eu nunca.

Na terceira série, a sala da mais velha teve um desafio: montar a estrutura mais alta usando fios crus de macarrão, barbante, e um marshmallow. O objetivo era fazer tipo uma torre (pense Torre Eiffel) com o macarrão e colocar o marshmallow no topo, sem que ele caísse.

No início da quarta série, outro desafio: deixar cair um ovo (cru) do segundo andar da escola sem que o ovo quebrasse. Eles tinham que pensar num jeito de proteger o ovo para que não se quebrasse na queda (de uns 15-20 metros talvez?). O da Laura não deu certo. Ela colocou o ovo embrulhado num saco de feltro grosso, dentro de um ziploc e cercado daqueles sacos com ar (para proteger objetos frágeis dentro de caixas). O ovo acabou escorregando pelo saco de ar e quebrou. Mas outros grupos conseguiram a façanha do ovo não quebrar. E não, eles não podiam cozinhar o ovo. :)

Tudo isso pra mim mostra uma coisa: os professores estimulam os alunos a pensar por si próprios e buscar soluções para problemas. É uma habilidade importantíssima nos dias de hoje. É o aprender fazendo. E acontece em vários outros projetos. Os próprios alunos é que vão atrás do conhecimento por si sós. O professor aborda o assunto em sala, mas eles não tem livros didáticos. O papel do professor é disponibilizar os recursos necessários para que o aluno obtenha o conhecimento independentemente.

Na minha época, eu tinha que ficar copiando matéria do quadro pro meu caderno. O ensino era bem teórico, quase que abstrato. Aqui eles vêem os conceitos aplicados na prática, e assim fixam melhor a teoria, eu acho.

Integração dos alunos com outras turmas e com a operação da escola

Os alunos aprendem colaborando entre eles também, não só na própria sala, mas com outras turmas da escola. As séries mais avançadas fazem visitas às turmas mais novas e trabalham em projetos juntos. Ou então eles lêem para os menores. A minha mais nova conhece muitas crianças da escola toda por causa disso, são os seus “buddies”.

Eles visitam as classes vizinhas para ver seus projetos e depois têm que comentar sobre o que viram e dar um retorno para a turma anfitriã.

Os alunos mais velhos desenvolvem habilidades de liderança e trabalho em equipe. Na hora do recreio, eles são monitores dos mais novos, com escala e tudo. Se acontece algum acidente, o monitor leva a criança para a secretaria e cuida dela, ou reporta o caso para um funcionário.

Já cansei de visitar a escola em horário de recreio e encontrar duas crianças na secretaria, em vez da secretária.

Minha filha já ficou encarregada de catar o lixo do pátio na hora do recreio por um período.

São os alunos da quinta série que fazem os anúncios no sistema de aviso da escola todas as manhãs. O aparelho de som fica na biblioteca da escola, e tem alto-falantes em todas as salas.

Participação ativa dos pais

Há um comitê de pais que organiza eventos para arrecadar fundos para a escola. Este comitê também participa de reuniões com a administração da escola, para discutir melhorias e sugerir mudanças. A parte de arrecadação de fundos é super importante, e é o que faz diferença na qualidade da escola, porque o orçamento do governo às vezes não é suficiente para proporcionar atividades extras aos alunos.

O parquinho da escola das meninas foi reformado com dinheiro levantado por ação do comitê de pais, por exemplo. Computadores foram comprados. A biblioteca é abastecida de novos livros com a ajuda complementar dos pais.

Eu participo como voluntária no programa de distribuição de leite. As crianças pagam para receber leite (ou puro, ou achocolatado) algumas vezes na semana. Os pais se juntam para distribuir e recolher (e lavar, e reciclar) as caixinhas de leite.

Eu também voluntario na biblioteca da escola uma vez por semana. Outros pais participam em sessões de conversação com crianças cujo inglês é a segunda língua. Todo mundo faz um pouquinho pela escola e pelos seus filhos consequentemente.

Biblioteca: livros e computadores lado a lado

Eu voluntario na biblioteca da escola. Tem uma professora bibliotecária que é responsável. Todas as turmas têm visitas semanais à biblioteca escolar, onde eles pegam livros emprestados. A professora quase os obriga a pegar livros. E nem sempre a criança lê o livro em casa. Eu vejo pela minha mais nova, que ainda não sabe ler direito. Ela sempre pega dois livros. Em casa, ela os folheia, vê as ilustrações, e na semana seguinte os devolve.

A biblioteca da minha escola não era visitada nunca. Quando eu descobri que tinha biblioteca, eu ia lá na hora do recreio para ler. Não podia retirar o livro de lá.

Aqui, as crianças também têm aulas sobre mídias eletrônicas na biblioteca. A professora bibliotecária trabalha em projetos com as crianças usando ferramentas digitais. Ela os ensina, por exemplo, a fazer apresentações em Power Point, ou slideshows usando programas gratuitos na internet. Ela é responsável por ajudá-los com suas contas de e-mail (a partir da quarta série).

Outro dia, a professora da turma (deviam ser de quarta ou quinta série) estava junto na biblioteca. Eles estavam fazendo blogs individuais e a professora indicava um assunto sobre o qual eles deviam escrever e cobrava que cada um comentasse em três outros blogs.

Educação inclusiva

Na escola das meninas há crianças com necessidades especiais. Conheço uma que é autista, vi outra que tem síndrome de Down e sei de outro que tem distúrbios mentais. Todas elas frequentam a escola normalmente. A diferença é que o governo provê um funcionário exclusivo para auxiliar cada uma dessas crianças. São os support workers, que ficam lado a lado com a criança dentro de sala de aula.

Acho sensacional que a escola abrace essas crianças e proporcione um ambiente inclusivo, que serve de aprendizado para as outras também, mostrando que temos que respeitar o diferente e conviver juntos. A solução não é isolar a criança especial, mas fazê-la sentir-se igual a todas as outras.

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Certamente há muitos outros pontos de diferença entre a educação daqui e do Brasil. O objetivo do exercício não é apontar uma escola melhor ou pior. Longe de mim! Todos os sistemas têm suas qualidades e seus defeitos. O sistema daqui não é perfeito. Aliás, é bem falho em muitos pontos, e a atual greve dos professores está aí pra provar isso. Dá pra melhorar, sempre dá. Seja aqui, seja lá.

Meu objetivo foi só compartilhar minha experiência e minhas observações sobre a escola canadense. Eu convido vocês a expor a experiência de vocês nos comentários, seja no Canadá, no Brasil ou em outros países. O debate vai ficar muito mais rico e diversificado.

Imagens: de Sarah Gilbert, e Tom Woodward, no Flickr, sob licença Creative Commons.


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